Brincadeira de Construção: Um Elo para a Comunicação e Interação Social

A brincadeira é a linguagem universal da infância, e para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ela oferece um portal único para o aprendizado e o desenvolvimento. Dentre as diversas formas de brincar, a brincadeira de construção se destaca como uma ferramenta excepcionalmente poderosa para fomentar a comunicação e a interação social. Embora muitas crianças com TEA possam preferir brincar sozinhas ou apresentar desafios na reciprocidade social, a natureza estruturada e com propósito dos kits de construção pode criar um ambiente propício para o engajamento com outras pessoas.

Este artigo explora como a manipulação de blocos, peças e materiais de construção pode ser intencionalmente utilizada para construir pontes de comunicação e interação social para crianças com TEA. Abordaremos estratégias para transformar a brincadeira individual em uma oportunidade de colaboração, como desenvolver vocabulário funcional, praticar a tomada de turnos e encorajar a partilha, tudo dentro do contexto motivador da construção. Nosso objetivo é mostrar como cada peça encaixada pode representar um passo adiante na jornada social e comunicativa da criança.


A Comunicação e Interação Social no Contexto do TEA

Compreender os desafios típicos na comunicação e interação social é o primeiro passo para usar a brincadeira de construção como facilitador.

Desafios Comuns na Interação Social

Crianças com TEA podem apresentar desafios em:

  • Iniciação e Manutenção de Conversas: Dificuldade em iniciar uma interação ou em manter um diálogo de via dupla.
  • Compreensão e Uso de Sinais Não Verbais: Interpretar expressões faciais, linguagem corporal ou gestos de outras pessoas.
  • Reciprocidade Social: O ato de dar e receber na interação, como alternar falas ou compartilhar interesses.
  • Tomada de Perspectiva: Compreender os pensamentos, sentimentos ou intenções dos outros.
  • Brincadeira Compartilhada: Dificuldade em engajar em brincadeiras cooperativas ou imaginativas com pares.

A Comunicação como Habilidade Essencial

A comunicação, seja ela verbal (fala) ou não verbal (gestos, expressões), é fundamental para expressar necessidades, desejos, ideias e para construir relacionamentos. Os kits de construção oferecem um contexto natural e funcional para a prática dessas habilidades.


Kits de Construção: Um Contexto Natural para a Interação

A própria dinâmica da brincadeira de construção possui características que a tornam ideal para o trabalho de comunicação e socialização.

O Propósito Compartilhado da Construção

Diferente de brincadeiras abertas, a construção frequentemente envolve um propósito tangível. Seja montar um carro do manual ou construir uma torre alta, há um objetivo visível que pode ser compartilhado.

  • Foco Compartilhado: O objeto da construção (os blocos, a estrutura em andamento) serve como um foco comum, que pode ser menos intimidador do que uma interação social direta e sem um tema claro.
  • Engajamento Visual: A natureza visual da construção permite que a criança veja o progresso e o impacto de suas ações e das ações do outro.

A Necessidade de Recursos Compartilhados

Muitos kits de construção possuem um número limitado de peças ou requerem que se “busque” ou “alcance” um material. Isso cria oportunidades orgânicas para:

  • Pedir Ajuda/Peças: “Me dá o bloco vermelho?”, “Você pode me passar aquela peça grande?”
  • Oferecer Ajuda/Peças: “Quer o azul?”, “Aqui, você precisa dessa peça?”
  • Compartilhar Espaço e Materiais: A criança aprende a navegar no mesmo espaço físico e a dividir os itens.

Estratégias para Fomentar a Comunicação e Interação Social

A mediação de um adulto (pais, professores, terapeutas) é essencial para transformar a brincadeira de construção em uma poderosa ferramenta de desenvolvimento social.

Iniciando a Interação e a Comunicação

Brincadeira Paralela Como Ponto de Partida
  • Modelagem de Ações: Comece construindo ao lado da criança (brincadeira paralela), sem exigir interação direta. Deixe que ela o observe. Modele a fala funcional: “Estou encaixando o bloco vermelho”, “Preciso de um bloco grande.”
  • Comentários Descritivos: Descreva suas próprias ações e as ações da criança. “Você está empilhando os blocos”, “Que torre alta você está fazendo!” Isso valida a brincadeira e oferece modelos de linguagem.
Conectando Interesses Específicos
  • Tema de Interesse: Se a criança tem um interesse específico (trens, animais, super-heróis), use isso como tema para a construção. “Vamos construir uma casa para o seu dinossauro?” A motivação intrínseca aumenta a probabilidade de engajamento social.

Construindo Habilidades de Comunicação

Vocabulário Funcional e Pedidos
  • Solicitações Diretas: Incentive a criança a fazer pedidos claros. Se ela aponta, pergunte: “Qual peça você quer? Uma peça grande ou pequena? Vermelha ou azul?”. Esperar a verbalização (se apropriado para o nível de comunicação da criança) ou um gesto específico.
  • Expansão de Vocabulário: Introduza e reforce vocabulário relacionado à construção: “encaixar”, “empilhar”, “grudar”, “separar”, “topo”, “base”, “lado”, “dentro”, “fora”, “alto”, “baixo”, “quadrado”, “redondo”.
  • Comentários e Perguntas: Ensine a fazer comentários sobre a própria construção ou a do outro (“Minha torre!”, “Que legal!”, “Isso é um carro?”) e a fazer perguntas (“O que é isso?”, “Pronto?”, “Posso te ajudar?”).
Comunicação Não Verbal e Contato Visual
  • Direcionamento Suave: Ao oferecer uma peça, segure-a na altura do rosto para encorajar o contato visual. “Você quer essa peça?”
  • Observação de Sinais: Ajude a criança a perceber os sinais não verbais do parceiro de brincadeira. “Olha, ele está te mostrando o bloco. O que ele quer dizer?”

Promovendo a Interação Social e a Cooperação

Projetos Colaborativos Guiados
  • Divisão de Tarefas: “Eu vou montar a base da casa, e você vai fazer o telhado.” “Você pega as peças azuis e eu pego as vermelhas.”
  • Tomada de Turnos (Visuais e Verbais): Use pistas visuais como um timer ou a frase “Sua vez, minha vez” para estruturar a tomada de turnos no compartilhamento de peças ou na montagem.
  • Objetivo Compartilhado: “Vamos construir a torre mais alta juntos!” Ter um objetivo comum motiva a colaboração.
  • Cenários de Problemas Sociais: Crie pequenos “problemas” que exijam cooperação. “Oh não, o carro robô não consegue passar por aqui! O que nós dois podemos fazer para resolver isso?”
Brincadeira em Pequenos Grupos
  • Grupos Homogêneos: Comece com pequenos grupos onde as crianças têm níveis de habilidade social semelhantes ou interesses em comum.
  • Mediação Ativa do Adulto: O adulto atua como um facilitador, incentivando interações, resolvendo conflitos e modelando comportamentos sociais.
  • Comunicação Mediada: Se uma criança aponta, o adulto pode verbalizar: “Ele está te mostrando que quer a peça amarela.”
Celebração Conjunta
  • Reconhecimento do Esforço Colaborativo: Elogie o trabalho em equipe. “Vocês dois construíram uma ponte incrível juntos! Ótimo trabalho em equipe!”
  • Compartilhar a Conquista: Após a construção, convide a criança a “apresentar” a obra para outra pessoa, descrevendo o que foi construído e, se possível, mencionando quem ajudou.

Adaptações e Considerações Essenciais

Para que a brincadeira de construção seja um elo eficaz para a comunicação e interação social, algumas adaptações e cuidados são fundamentais.

Ambiente Estruturado e Previsível

  • Espaço Definido: Crie um espaço claro e visualmente organizado para a brincadeira de construção, minimizando distrações.
  • Materiais Organizados: Peças organizadas em recipientes etiquetados (com imagem e texto) reduzem a sobrecarga e facilitam a comunicação (“Onde está o bloco verde?”).

Flexibilidade do Adulto

  • Respeito ao Ritmo: Reconheça que algumas crianças podem precisar de mais tempo ou de um início mais gradual na interação. Não force.
  • Observação Constante: Observe as pistas da criança para saber quando ela está aberta à interação e quando precisa de espaço.
  • Variação de Pares: Comece com a interação adulto-criança, depois introduza um par, e gradualmente grupos maiores, se apropriado.

Apoios Visuais para Interação

  • Cartões de Conversa: Pequenos cartões com frases como “Minha vez”, “Sua vez”, “Preciso de ajuda”, “Terminei”, para apoiar a comunicação.
  • Scripts Sociais: Para projetos específicos, um pequeno script visual de como interagir (“Pegar peças”, “Encaixar”, “Pedir ajuda”).

Conclusão: Construindo Conexões, Peça por Peça

A brincadeira de construção é uma ferramenta notável para impulsionar a comunicação e a interação social em crianças com TEA. Ao oferecer um ambiente estruturado, previsível e com um propósito claro, ela facilita a prática de habilidades que são frequentemente desafiadoras. Cada pedido de peça, cada partilha de um bloco e cada elogio a um trabalho colaborativo representa um tijolo na construção de competências sociais vitais.

Mais do que criar estruturas físicas, a brincadeira de construção permite que as crianças com TEA construam conexões. Ela oferece um caminho natural e divertido para que se expressem, compreendam o outro e participem do mundo social ao seu redor. Com a orientação e o apoio adequados, os kits de construção se transformam em pontes, ligando o mundo individual da criança ao rico universo da comunicação e da interação humana, peça por peça, sorriso por sorriso.

Você já utilizou kits de construção para ajudar uma criança com TEA a se comunicar ou interagir mais? Compartilhe suas histórias e as estratégias que funcionaram!

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